Um ano sem Katharine Hepburn

Faz hoje um ano que perdemos a lendária Katharine Hepburn, estrela de inúmeros sucessos, parceira de cena de incontáveis actores, cujos nomes merecem tanto destaque quanto o seu. Vencedora de quatro Oscar - um recorde ainda não igualado - Hepburn faleceu a 29 de Julho de 2003, na sua casa de Old Saybrook, no Connecticut, após uma intensa luta contra a doença de Parkinson. Tinha 96 anos.
Nasceu Katharine Houghton Hepburn a 12 de Maio de 1907, em Hartford, no estado do Connecticut. O seu debute produziu-se muito cedo, aos três anos, em espectáculos feministas organizados pela sua mãe. Depois disso, apresentou-se em peças de colégio e teatros amadores até pisar os palcos da Broadway. Começou com o pé trocado no mundo do cinema. Entre 1928 e 1931, vai de fracasso em fracasso. Mas a RKO atreveu-se a confiar-lhe o papel principal de "Vítimas do Divórcio / A Bill of Divorcement", de George Cukor, em 1932, interpretando a filha de John Barrymore; ela soube manter a compostura e fez desta película um triunfo pessoal e uma estrondosa vingança aos seus infortúnios no teatro.
No ano seguinte, Katharine conquistou a primeira das suas 12 nomeações ao Oscar. O filme era "Glória de Um Dia / Morning Glory", realizado por Lowell Sherman, e, logo à partida, a Academia premiou-a com a estatueta de Melhor Actriz. Ainda em 1933, trabalhou em "As Quatro Irmãs / Little Women" e "O Que Faz o Amor / Christopher Strong" (o seu primeiro fracasso de crítica e público). Os seus trabalhos seguintes foram "The Little Minister" (1934), "Sonhos Dourados / Alice Adams" (1935, pelo qual ganhou a sua segunda nomeação ao Oscar), "Sylvia Scarlett" (1935, num papel em que ela se disfarça de homem), e ainda os elogiados "Maria Stuart, Rainha da Escócia / Mary of Scotland" (1936) e "A Porta das Estrelas / Stage Door" (1937).



Também protagonizou as comédias "Duas «Feras» / Bringing Up Baby" e "A Irmã da Minha Noiva / Holiday" (ambas de 1938), mas, no final dos anos 30, Hepburn decidiu voltar aos palcos da Broadway. Encenou "The Philadelphia Story" e conquistou sucesso suficiente para regressar a Hollywood em 1940. Ao lado de Cary Grant e James Stewart, viu a versão filmada da peça (que em Portugal ficou conhecido como "Casamento Escandaloso") ser nomeada para seis Oscar, sendo uma das nomeações a sua própria, como Melhor Actriz. A Academia, no entanto, premiou apenas Stewart, como Melhor Actor, e Donald Ogden Stewart com a estatueta de Melhor Argumento Adaptado.
Mesmo não tendo ganho o Oscar naquele ano, Katharine Hepburn voltou ao cinema com fôlego para um contrato de nove anos com a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). O primeiro filme que fez para o estúdio de Louis B. Mayer foi "A Mulher do Ano / Woman of the Year", de George Stevens (1942) - na televisão foi retitulado como "A Primeira Dama". De novo, a actriz figurou entre as nomeadas ao Oscar, contudo, a maior recompensa de Hepburn foi a oportunidade de contracenar com Spencer Tracy.



Juntos, os dois formaram um dos pares mais celebrados de Hollywood, tanto nas telas quanto fora delas (embora Tracy fosse casado e católico, os dois ousaram desafiar os convencionalismos morais mantendo um relacionamento amoroso durante 27 anos até à data da morte do actor, em 1967). Descritos pela própria actriz como o perfeito casal americano, Hepburn e Tracy protagonizaram oito filmes juntos, entre eles "Chama Eterna / Keeper of the Flame" (1942), "Sem Amor / Without Love" (1945), "Um Filho do Povo / State of the Union" (1948) e "A Costela de Adão / Adam's Rib" (1949). Katharine manteve outra ligação amorosa ilícita com o realizador John Ford, que também era casado.
Em 1951, Hepburn deixou a MGM e voltou a dividir a sua vida artística entre os estúdios e os palcos - o que a não impediu de continuar a chamar a atenção da Academia e coleccionar nomeações. "A Rainha Africana / The African Queen", de John Huston (1951, contracenando com Humphrey Bogart), "Loucura em Veneza / Summertime", de David Lean (1955, com Rossano Brazzi), "O Homem Que Fazia Chover / The Rainmaker", de Joseph Anthony (1956, com Burt Lancaster), "Bruscamente no Verão Passado / Suddenly, Last Summer", de Joseph Leo Mankiewicz (1959, ao lado de Elizabeth Taylor e Montgomery Clift) e "Longa Jornada para a Noite / Long Day's Journey Into Night", de Sidney Lumet (1962, com Jason Robards Jr.) são mais cinco longas-metragens pelas quais foi nomeada para Melhor Actriz.
Katharine Hepburn decidiu fazer uma pausa no cinema em 1962 e passou cinco anos sem entrar em qualquer filme. Mas o seu regresso, assim como em 1940, foi triunfante: "Adivinha Quem Vem Jantar? / Guess Who's Coming to Dinner?", de Stanley Kramer (1967), não só foi considerado um dos seus melhores trabalhos, como também lhe garantiu, finalmente, o segundo Oscar. O filme ainda marcou uma dura despedida para Hepburn, representando o seu último trabalho com Spencer Tracy, que faleceu logo após as filmagens. Reza a lenda, que, por esse motivo, ela nunca quis assistir ao filme depois de concluído.
A terceira estatueta da actriz chegou às suas mãos com "Um Leão no Inverno / The Lion in Winter", de Anthony Harvey (1968), onde contracenou com Peter O'Toole e Anthony Hopkins. Em seguida, apareceu em alguns filmes menores, até que, em 1975, "Rooster Cogburn" fez barulho ao trazer Hepburn ao lado de John Wayne. O resultado, no entanto, decepcionou e o filme não fez muito sucesso.



Em 1976, a actriz sofreu um acidente durante as filmagens de "A Matter of Gravity" e quebrou o tornozelo. Teve que usar cadeira de rodas e afastou-se do cinema, passando a actuar apenas em alguns filmes para televisão.
Em 1981, o seu regresso aos ecrãs foi novamente grandioso e rendeu-lhe a quarta estatueta de Melhor Actriz com "A Casa do Lago / On Golden Pond", de Mark Rydell. Nele trabalhava com Henry Fonda, que também foi premiado com a estatueta de Melhor Actor, e a filha deste, Jane Fonda.
No ano seguinte, Katharine Hepburn sofreu um acidente de carro e passou três semanas no hospital, sob o risco de ver um dos pés amputado. Tudo não passou de um grande susto e ela recuperou. No final de 1982, ao lado de Nick Nolte, fez o público rir com a comédia "Grace Quigley".
Dos anos 80 em diante, Hepburn passou a colher os frutos da sua glória, mas não deixou de semear novos campos em que ainda não se arriscara. Apesar da sua carreira como actriz se ter resumido aos dramas televisivos, em 1987, escreveu o livro "The Making of The African Queen", que se tornou um best-seller instantâneo. Em 1991, publicou a auto-biografia "Me: Stories of My Life", que também se tornou campeã de vendas. Nas raras entrevistas que concedia, gostava de dizer: «Eu sou uma lenda porque sobrevivi muito tempo!»
Antes de se aposentar definitivamente do cinema, Hepburn foi convencida por Warren Beatty a fazer uma participação especial em "Love Affair", melodrama de Glenn Gordon Caron (1994), no papel de uma tia do personagem do actor. No mesmo ano, fez o seu último trabalho sob os holofotes: o telefilme "One Christmas".
Feminista ferrenha, Katharine Hepburn sempre se distinguiu pela sua personalidade forte e carácter rebelde, agindo segundo as suas convicções, ainda que quebrando as regras e convencionalismos - numa época em que poucas mulheres se atreviam a fazê-lo, vestia calças.
Sobre a actriz e a mulher, o realizador Frank Capra comentou certa vez: «Há mulheres e há Kate; há actrizes e actrizes, e há ainda Hepburn». Adivinhando a sua partida deste mundo, a actriz gracejou certa vez: «Não era maravilhoso se as pessoas, assim como morrem subitamente, pudessem viver subitamente?»
Para não dizer que o Oscar foi o seu único reconhecimento, em 1999, Katharine Hepburn era a primeira entre as actrizes presentes na lista das "50 Maiores Lendas do Cinema", segundo o American Film Institute. A instituição ainda elegeu seis dos seus filmes, em 2002, como "Melhores Romances do Cinema Americano". Nenhuma outra actriz conseguiu esse mérito.

Filmografia

1932 Vítimas do Divórcio / A Bill of Divorcement (George Cukor)
1933 O Que Faz o Amor / Christopher Strong (Dorothy Arzner)
1933 Glória de Um Dia / Morning Glory (Lowell Sherman)
1933 As Quatro Irmãs / Little Women (Cukor)
1934 Spitfire (John Cromwell)
1934 The Little Minister (Richard Wallace)
1935 Corações Desfeitos / Break of Hearts (Phillip Moeller)
1935 Sonhos Dourados / Alice Adams (George Stevens)
1935 Sylvia Scarlett (Cukor)
1936 Maria Stuart, Rainha da Escócia / Mary of Scotland (John Ford)
1936 Revoltada / A Woman Rebels (Mark Sandrich)
1937 Bairro Elegante / Quality Street (G. Stevens)
1937 A Porta das Estrelas / Stage Door (Gregory La Cava)
1938 Duas "Feras" / Bringing Up Baby (Howard Hawks)
1938 A Irmã da Minha Noiva / Holiday (Cukor)
1940 Casamento Escandaloso / The Philadelphia Story (Cukor)
1942 A Mulher do Ano / Woman of the Year (G. Stevens)
1943 Chama Eterna / Keeper of the Flame (Cukor)
1943 Chuva de Estrelas / Stage Door Canteen (Frank Borzage)
1944 O Filho do Dragão / Dragon Seed (Harold S. Bucquet e Jack Conway)
1945 Sem Amor / Without Love (Bucquet)
1946 Estranha Revelação / Undercurrent (Vincente Minnelli)
1947 Terra de Ambições / The Sea of Grass (Elia Kazan)
1947 Sonata de Amor / Song of Love (Clarence Brown)
1948 Um Filho do Povo / State of the Union (Frank Capra)
1949 A Costela de Adão / Adam's Rib (Cukor)
1952 A Rainha Africana / The African Queen (John Huston)
1952 A Mulher Absoluta / Pat and Mike (Cukor)
1955 Loucura em Veneza / Summertime (David Lean)
1956 O Homem Que Fazia Chover / The Rainmaker (Joseph Anthony)
1956 Um Americano em Moscovo / The Iron Petticoat (Ralph Thomas)
1957 A Mulher Que Sabe Tudo / Desk Set (Walter Lang)
1959 Bruscamente no Verão Passado / Suddenly, Last Summer (Joseph Leo Mankiewicz)
1962 Longa Jornada para a Noite / Long Day's Journey Into Night (Sidney Lumet)
1967 Adivinha Quem Vem Jantar? / Guess Who's Coming to Dinner? (Stanley Kramer)
1968 Um Leão no Inverno / The Lion in Winter (Anthony Harvey)
1969 A Louca de Chaillot / The Madwoman of Chaillot (Bryan Forbes)
1971 As Troianas / The Trojan Women (Michael Cacoyannis)
1973 The Glass Menagerie (Anthony Harvey, TV)
1973 A Delicate Balance (Tony Richardson)
1975 Love Among the Ruins (Cukor, TV)
1975 Rooster Cogburn (Stuart Millar)
1978 Olly, Olly, Oxen Free (Richard A. Colla, TV)
1979 The Corn is Green (Cukor, TV)
1981 A Casa do Lago / On Golden Pond (Mark Rydell)
1984 Grace Quigley (Anthony Harvey)
1986 Mrs. Delafield Wants to Marry (George Schaefer, TV)
1988 Laura Lansing Slept Here (George Schaefer, TV)
1992 The Man Upstairs (George Schaefer, TV)
1994 This Can't Be Love (Anthony Harvey, TV)
1994 O Amor da Minha Vida / Love Affair (Glenn Gordon Caron)
1994 One Christmas (Tony Bill, TV)