segunda-feira, junho 14, 2004

Curiosos Anos do Cinema (3)


por Vasco Martins

FABRICANTES DE SONHOS

Perguntaram certo dia a Orson Welles: «Poderia dar-nos, senhor Welles, a lista dos seus dez realizadores preferidos?» Sorrindo, maliciosamente, como quem está acostumado a receber e responder a este tipo de perguntas, Orson Welles respondeu, não escondendo uma certa paixão: «Griffith, Murnau, Ford, William Wyler» - fez uma pausa, durante a qual alargou o seu amplo sorriso, e continuou - «e para completar, nomeiem os de vossa eleição».
Quais seriam os nossos eleitos para acrescentar à lista sem receio de omitir outros tantos? Billy Wilder, Kenji Mizoguchi, Charles Chaplin, Mitchell Leisen, Ernst Lubitsch, Walt Disney? Escolha difícil. Quantos tantos grandes mestres nos possibilitaram inesquecíveis momentos de felicidade! Como poderíamos deixar de parte Frank Capra, Carl Theodore Dreyer, Stanley Donen, Joseph Leo Mankiewicz, Howard Hawks, Vittorio de Sica, Josef von Sternberg, Ingmar Bergman, John Huston, Luchino Visconti, Victor Fleming, Buster Keaton, Jiri Trnka, Jean Renoir, Woody Allen, Federico Fellini, Jerry Lewis, Sergeï M. Eisenstein, a dupla britânica Michael Powell & Emeric Pressburger, Louis Malle, Akira Kurosawa, Laurence Olivier, Fritz Lang, David Lean, King Vidor, Steven Spielberg, Elia Kazan, James Whale, René Clair, Vincente Minnelli, Viktor Sjöström, Michael Curtiz, Satyajit Ray, François Truffaut...? E o próprio Welles, cuja modéstia o impedia de se colocar em algum lugar!
Será que nos perdoariam se esquecêssemos Alfred Hitchcock, Bob Fosse, Roberto Rossellini, Francis Ford Coppola, Cecil Blount DeMille, Erich von Stroheim, Luis Buñuel, George Cukor, Raoul Walsh, Jean-Luc Godard, Milos Forman, Alain Resnais, os irmãos Tony e Ridley Scott, Brian De Palma, Marcel Carné, Michelangelo Antonioni, Yasujiro Ozu, John Cassavetes, Miklos Jancsó, Pedro Almodóvar, George Lucas, Kenneth Branagh, Constantin Costa-Gavras, Tinto Brass, Bernardo Bertolucci, Jacques Demy, Peter Bogdanovich, Clint Eastwood, Wim Wenders, Max Ophüls, Robert Altman, James Ivory, Glauber Rocha, Samuel Fuller, Carl Reiner, Roman Polanski, Anthony Mann, Abel Gance, Andreï Tarkovsky e até os nossos António Lopes Ribeiro, Jorge Brum do Canto, Arthur Duarte ou Manoel de Oliveira? É certo que esquecemos muitos, alguns dos mais queridos de todos, visto que foram enunciados de memória - e que de outra forma o poderíamos fazer, quando se extravasa a emoção da nostalgia? - e não se encontram sempre todos disponíveis no pensamento presente.
Com o Cinema nasce esse conceito de artista que é o realizador, o 'regista' como se diz em Itália. O seu papel é muito mais amplo e decisivo que o do regente de uma orquestra, porque assume muitas funções que, em paralelo, correspondem na música ao compositor.
Surgem os argumentistas, ainda que alguns realizadores acumulem essa função: como René Clair que compunha argumentos de ferro, como Hitchcock que desenhava plano a plano os seus guiões, ou como Disney cujos 'storyboards' analisavam inclusivamente as distintas fases de um só gesto.
Nasce também outro tipo de artista, que também assume mil e uma atitudes: o produtor. Desde o investidor que adianta a verba sem dar a cara, ou a entidade bancária que financia salvaguardando os seus interesses, ao produtor-artista que intervém em tudo, como podemos ver no filme "Cativos do Mal / The Bad and the Beautiful" (EUA, 1952), de Vincente Minnelli, tal como Spielberg ou George Lucas, que não raras vezes se colocam atrás da objectiva ao mesmo tempo que dizem «luzes, câmara... acção!».
Durante décadas persistiu a dúvida sobre a quem seria atribuída a verdadeira autoria dos filmes: se ao produtor se ao realizador, se ao argumentista ou aos actores, uma vez que as grandes estrelas chegavam muitas vezes a impor certas matizes nos seus personagens e até influenciavam a acção dos argumentos, chegando inclusive a exercer um eficaz direito de veto, mas nunca se conseguiu chegar a veredicto algum. Estrategicamente ficou subentendido que o produto era um trabalho colectivo, sempre artístico, mas também sempre artesanal, para não esquecer todos os elementos imprescindíveis para a produção de um filme. Mas, sempre que precisamos lembrar-nos de um ou outro filme, é, apesar de tudo o que ficou dito, do nome do realizador que nos recordamos: o cineasta decisivo, para nós o verdadeiro autor da película.
Fica apenas no ar uma questão, algo pertinaz: «quem foi, então, o primeiro realizador de cinema?»
A Charles Chaplin é atribuída a seguinte frase: «Foi o mestre de todos nós...», referindo-se a David Wark Griffith. Há mesmo quem defenda ter sido o primeiro realizador da história, e não vou aqui rebater essa ideia. Mais adiante escreverei sobre a vida e obra desse que foi o primeiro realizador americano (Ver "Nascimento de Uma Nação"), mas por agora será justo atribuir esse privilégio ao francês Louis Jean Lumière (1864-1948), pois foi quem realmente realizou, juntamente com o seu irmão, o biólogo Auguste Marie Lumière (1862-1954), o primeiro filme completo, devidamente estruturado. Em apenas cinquenta segundos eram apresentadas imagens d' "A Chegada do Comboio à Estação de La Ciotat / L'arrivée d'un train en gare da La Ciotat", datado de 1895.
O Cinema nasceu nesse ano. Em 1995 celebrou-se o seu centenário. Para alguns, a 19 de Março, que foi quando os irmãos Lumière, inventores do Cinematógrafo, fizeram as primeiras filmagens da saída dos operários da sua fábrica, em Lyon. A data oficial, porém, é a de 28 de Dezembro, dia da primeira exibição pública do Cinematógrafo, em Paris. Recordemos, entretanto, como tudo aconteceu.
(continua)

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